quinta-feira, 26 de junho de 2014

Coisas que a gente testemunha

Um bar, na Sé, durante os matinais.
Blazer azul marinho gasto com seis botões dourados, três outros em cada gola, sapato meio surrado no  pé, calças sociais cinza chumbo dignas, apesar de idosas. O senhor está angustiado no telefone, fala algo sobre ter perdido o telefone , ter perdido o outro número porque lhe sumiu a agenda de trabalho. Apela paro o longo histórico profissional entre os dois, mas seu interlocutor está irredutível. Enquanto expõe seus argumentos, deixa escapar um suave sotaque nordestino, algo que notavelmente só traz um pouco de nostalgia ao diálogo, visto que muitos dos seus sessenta e poucos anos de idade foram vividos aqui em terras paulistas. Abranda os argumentos, escuta mais, só abre a boca para concordar. Eu sei, ele abusou da sorte, mas foi só isso, eu lhe garanto, ele não fez nada mais que isso. Concorda mais algumas vezes, sendo pouco a pouco derrotado pelo interlocutor, sabe que não tem mais cartas na manga. O erro foi crasso, sua experiência de longa data não pode tirá-lo dessa situação. Cita alguns fatos ultrapassados, tentando trilhar um novo caminho, pelos bons tempos. Não, não, o Dr. Eleutério desistiu da eleição, acha que não tem mais jeito. Ter sido assessor durante tanto tempo me fez ver muita coisa, diz, essa eu não esperava, peço que justamente reconsidere. Baixou cabeça, como vira-latas baixa o rabo. Apertou o telefone retangular de botões obsoletos, enquanto o depositava no balcão. Aparelho tão ultrapassado quando ele, e essas coisas velhas sempre acabam por ser substituídas. As coisas mudam, necessidades são saciadas de novas formas, dançarinos precisam saber dançar as músicas da moda. Enquanto pagava meu café, escutei ele cancelando o pão na chapa e pedindo um conhaque no lugar. Duplo, o mais barato, pra sobrar pro bilhete de metrô. Fui embora sem olhar pra trás.

Nenhum comentário:

Postar um comentário